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Ser mãe emigrante: a lição que só se aprende na distância

Ser mãe emigrante

Ser mãe emigrante

Minha mãe,

Eu não sei como foi com você, quando eu nasci, aí em São Paulo. Sei que, com meus irmãos já na escola e sem que você esperasse, a minha vinda fez com que você passasse muita privação, principalmente depois da morte do papai.

Você me educou com firmeza, sempre dizendo que queria que eu estudasse muito para ter um bom emprego, porque queria que eu vivesse melhor do que você. Mamãe, eu tentei fazer isso mesmo. E consegui passar meu vestibular e me formar. Acabei a fazer mestrado em Portugal e por vir trabalhar para a Alemanha.

Aqui, encontrei o Carlos e, juntos, nos propusemos a criar uma família brasileira longe do sol de São Paulo.

Todos os passos da minha vida, eu dei sabendo que estava pronta para viver segundo os seus ensinamentos. Meu mestrado, meu doutorado, meu emprego, meu casamento, minha gravidez… trouxe sempre para todos eles o seu amor e o seu conselho, passado em horas de ternura, com os dedos no meu cabelo ou nos cachos dos fios telefónicos. Mas, mamãe, aqui na Alemanha, eu aprendi uma lição que a senhora não me ensinou. Aqui, eu aprendi a lição que só se aprende na distância. Aprendi que existem vários tipos de mãe. E que uma mãe que ninguém vê, que ninguém fala, é a mãe emigrante.

Ser mãe longe das nossas raízes não é fácil. Ainda mais aqui, sabe? Por vezes penso que sou eu sozinha, julgando o mundo de forma errada… mas a Europa toda me parece bem diferente do Brasil e a Alemanha é mais diferente ainda. Aqui, as pessoas se fecham mais em si mesmas, sabe? E, por isso, quando se é mãe nesse país, não é tão fácil comunicar ou contar com a ajuda dos outros para a criação dos nossos bebês.

Uma mãe emigrante – ou pelo menos é essa a experiência que eu tenho aqui – sempre passa mais dificuldade.

Com a família longe, sem estarmos no “nosso” ambiente, sem falarmos a língua com a mesma facilidade, sem a avó para fazer de babá… tudo parece mais difícil. Claro que nem tudo será pior: aqui a gente tem mais segurança e a lei protege as mamães trabalhadoras e garante uma melhor educação para as crianças. Mesmo assim, sinto muito o meu sangue brasileiro enquanto mãe emigrante. E essa é uma lição que só se aprende sozinho, longe dos braços queridos dos nossos familiares e do sol quente do nosso país.

Vou te dar alguns exemplos, para que entenda melhor:

1. Ter um bebê como mãe emigrante

Aqui, eu fui seguida o tempo todo da gestação da Camila por um médico, esperando que fosse ele a acompanhar-me até ao parto. Na verdade, o procedimento mais comum aqui é que o obstetra não acompanhe a gestação, sendo esse o papel de um ginecologista.

Me surpreendeu, também, que o mais normal, aqui na Alemanha, fosse o parto normal. Como sabe, no Brasil, a cesárea é comum mas, aqui, mesmo quando você prefere a cesárea, os médicos sempre tentam que o seu parto seja normal.

Mas não é tudo mau, mamãe, a Alemanha é bem avançada quanto ao apoio às mães trabalhadoras e nós podemos usufruir de uma licença de maternidade bem legal. Você pode tirar 12 meses pagos e ficar cuidando do bebê até 3 anos, se quiser. O Carlos tirou, também, 2 meses pagos de licença paternal, recebendo mais de metade do seu salário usual.

2. Longe de você e do samba

Sinto falta de você e de meus irmãos o tempo todo. Quando a Camila não dorme e fica acordando todo o mundo aqui em casa, eu pego ela nos braços e passeio pela casa, cantando Bethânia. Uso a voz quente para esquecer o frio. Mas você não está sabendo que é frio, pois não, mamãe?! O Inverno aqui é o Verão brasileiro.

Mas, sabia? As pessoas caminham nas ruas geladas de Munique não parecem importar-se muito com o frio da rua. Muitas vezes, dizem que o “ar fresco enrijece”, que é uma forma dos europeus insistirem nos benefícios que esse ar pode trazer para a saúde. Independentemente da nacionalidade, as mães que passeiam os bebés nesse ar frio têm todas o mesmo ar cansado. E se parecem comigo, apesar dos cabelos e olhos mais claros. Se fosse no Brasil, a gente iria trocar palavras ou, pelo menos, sorrisos. Aqui, as pessoas afastam o olhar umas das outras e nunca dizem como é difícil. Cada mulher alemã é uma heroína de história de quadrinho mesmo.

Me sinto sozinha no meu desalento. Me sinto sozinha no meu cansaço. E, ainda que seja Carlos a levantar-se metade das vezes que a nossa linda bebê chora, eu não consigo deixar de me sentir angustiada, fazendo de Camila o meu trabalho a tempo inteiro, enquanto dura a licença de maternidade.

Seria bom ter você do meu lado para me ajudar e me ensinar a ser mamãe. O papel dos avós é fundamental, sabia? E aqui, longe de você, do calor e do samba, tudo parece meio cinzento, meio frouxo, meio triste. Talvez por isso que só quem fala português entende a palavra saudade.

3. Todos os degraus de preconceito

Tenho bons amigos aqui, na Alemanha. Alguns são alemães. A maioria deles não são. São brasileiros, portugueses, canadianos, australianos… gente que voou para aqui, como eu voei e que se fez, aqui, parte de uma cidade que avança para a igualdade com sapato de chumbo. Quando cheguei, durante algum tempo, senti na pele todas as conotações que ser mulher, brasileira e solteira tinham para os locais.

Não era latente, não. Mas, em pequenos traços, em pequenos gestos, em pequenas desconfianças… sempre me parecia que a minha inteligência, a minha dignidade, a minha integridade se punham na régua. Foi aos poucos que, falando sobre o meu trabalho na Technische Universität, casando e levando uma vida dentro do regime de cara fechada dessa cidade, eu conquistei um espaço mais aberto para viver.

Mas eu sei que, aqui, esse é só o primeiro degrau de preconceito. Outro, é a língua. Falo com Camila em português. Mas vejo pelos filhos dos meus amigos brasileiros que nem sempre é fácil criar uma criança entre duas linguagens. A Martina, filha da Sheila, acabou chorando, recusando falar português, mesmo em casa porque um menino da escola disse para ela que era estranho que ela falasse de outra forma com a sua mamãe. Tenho medo que Camila faça o mesmo. Que sinta esse preconceito por cultivarmos, nela, essa sementezinha que lembra de casa e do calor e do mar.

Não pense, mamãe, que ficam por aqui os degraus do preconceito. Rabenmutter é um nome que se ouve. Não é nenhum elogio, não: é o nome que dão, independentemente da nacionalidade, às mães que, como eu, pretendem retomar o trabalho antes de passarem os 3 anos da licença e deixam as crianças na creche. Aqui, isso é visto como algo negativo.

Não é fácil, acredite, aprender essa lição que se aprende na distância. E, em alguns dias, sinto saudade do sabor brasileiro nos meus lábios. Sinto falta de você e queria que estivesse aqui, para me ensinar os seus truques. Para me ajudar a saber a melhor posição para amamentar. Para me dizer como saber se a bebê tem frio ou calor. Para me abraçar quando, em noites como a de hoje, ela chora e eu não sei porquê.

Ela adormeceu um pouco e eu resolvi escrever essa carta. Porque sou uma mãe emigrante e o Carlos trabalha bem cedo amanhã. Bate a solidão, às vezes. Bate a saudade. E o meu maior conforto é o rostinho perfeito de Camila. Tomara que durma, agora… e que sonhe com o Verão brasileiro. E com o Samba. E com a vovó. É isso que eu estou sonhando. Mas acordada.

Amo você, mamãe

Tausend Küsse,
Neide

Algumas fontes: goethe brasileiraspelomundo  cafegraoduque

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Escrito por Marina Ferraz

Marina Ferraz nasceu em Coimbra (Portugal) no ano 1989. Licenciada em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho e Mestre na mesma área, pela Universidade de Coimbra.
Autora pela Sociedade Portuguesa de Autores desde 2008

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