Meus amores,
Eu não sou vossa mãe. Mas os meus dois irmãos fizeram de mim algo igualmente especial. Sou vossa tia.
Vocês nunca foram um bebé a bordo da minha barriga. Ao contrário da minha irmã, que carregou dois de vocês no ventre, vivendo os desconfortos comuns na gravidez; ao contrário do meu irmão, que roeu unhas no corredor por uma de vós e foi um pai na sala de partos para a outra; eu não estava lá a sofrer horrores de ansiedade quando chegou a hora H.
Eu estava do lado de fora da porta, ansiosa, desejando que tivessem os cinco dedos das mãos, os cinco dedos dos pés, um grito de guerreiro a plenos pulmões no primeiro momento de vida e, claro, um futuro maravilhoso à vossa espera.
Encarei com naturalidade o vosso nascimento. Na verdade, quando aconteceu pela primeira vez, há dezoito anos atrás, eu nem sabia que ser tia era tudo o que, desde então, venho a descobrir.
Ser tia é muito diferente de ser mãe ou pai. O papel da tia é muito diferente do papel dos avós. Talvez por isso, nem sempre se fale do que sentem as tias e da importância que têm para os sobrinhos. E é por isso mesmo que, hoje, eu escrevo esta carta. Vou dividi-la em bocadinhos pequeninos para poderem entender-me melhor. E espero que entendam, no seu final, como o vosso nascimento mudou a minha vida e o meu coração para sempre.
Ser tia: um amor único
Desde o primeiro olhar, como nos filmes de Domingo, mas sobre um recém-nascido. É assim que nasce o vínculo entre tia e sobrinhos. Foi assim que me apaixonei por cada um de vocês.
Longe do olhar babado dos meus irmãos, eu comecei desde cedo a perceber a personalidade de cada um. A L., mais velha, artista de gestos impensados, que cresceria para a dança. A B., tenaz e forte, resiliente; que cresceria defensora dos direitos humanos. O A., esse rapaz em constante toque com a emoção e de uma requintada inteligência que tanto nos alivia como nos tira do sério. A I., esse pequeno rebento, inteligente e doce, que, ainda dá os primeiros passos mas já sabe os sons dos animais.
O amor de tia é especial porque é um amor que vê e um amor que sabe. É um amor que aconselha e um amor que permite. A tia não será a primeira a educar, mas pode educar. Não será a primeira a brincar, mas pode brincar.
E, quando o julgamento de quem educa e brinca primeiro está errado, a tia é, sem dúvida, a primeira a lutar, a intervir, a cuidar.
O meu amor por vocês não tem medida nem comparação. Desistiria de mim por qualquer um de vocês, se tal fosse necessário para garantir a vossa felicidade. É um amor tão grande e tão puro que, por vezes, faz com que se abafe um pouco o amor de irmã para dar uns raspanetes jeitosos aos vossos pais, quando não concordamos com eles.
Tia: aquela companheira de farra
Por falar em não concordar com os irmãos. Talvez recordem: estava na moda televisiva a personagem de bonecos animados que ia acampar. E, claro, a influência da televisão é o que é.
Não esquecerei os rios de lágrimas do “queremos ir acampar”, nem a intransigência do “não” que se seguiu. Esquecerei menos ainda o estendal montado no meu quarto, com estacas feitas de vassoura e tendas feitas de lençol e colcha, para acampar convosco dentro de casa.
Comigo, vocês puderam comer gelado diretamente do pote e puderam saltar à corda antes de fazerem os trabalhos de casa. Puderam andar às cavalitas quando ficavam cansados na avenida. Puderam ir à água mais uma vez antes de irmos embora da praia. E até me convenceram – friorenta como eu sou – a entrar nas águas glaciais da piscina. Para duas de vocês, porque a idade já o permite, tornei-me até companheira de saídas noturnas, fechando os olhos às sidras de maçã.
Fui e sou – no que de mim depender continuarei a ser – companheira de farra. Mas isso não significa que tudo o que fazem está certo. E também fui e sou – no que de mim depender continuarei a ser – a voz da razão quando tal é preciso.
Ser tia: confidente, amiga e mestre
Chamadas telefónicas para me contarem a degraça de uma nota a matemática: “mas o que é que eu digo à minha mãe?”; para falarem de um desgosto amoroso: “mas ele é o amor da minha vida”; ou simplesmente para dizerem o que vos vai na alma. Recebo-as e devolvo-as. Amo-as como vos amo.
Sinto-me três pessoas em simultâneo: confidente, nas horas más; amiga, nas horas boas; mestre, quando precisam de um puxão de orelhas.
Sabem bem que não me incomoda dá-lo: o puxão de orelhas. Ainda que prefira o papel de confidente e amiga. Não me importo porque vos admiro e porque sei que já tive a vossa idade e também precisei que mos dessem.
Amar-vos é viver uma bipolaridade que me dá o papel da mãe-galinha; o papel da amiga-das-maluquices; o trabalho da professora rígida; o calor dos braços ancestrais dos avós.
Todos os meus papéis enquanto tia vos colocaram na minha pele, tornando-vos uma eterna parte de mim. E não tenho medo de admitir que são a melhor parte de mim. Aquela de que mais me orgulho. Aquela que mais amo.
Sim! Falam muito sobre ser mãe. Sobre ser pai. Mas a verdade é esta: deviam falar mais sobre ser tia. Porque a tia é a única que pode estragar e educar, gritar e rir, falar sobre assuntos delicados e parvoíces. A tia é a que vive o melhor de dois mundos e vos dá o melhor de dois mundos.
Vocês nunca foram um bebé a bordo da minha barriga. Mas – e independentemente da idade – serão sempre um bebé a bordo do meu coração.
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